Onze incidentes depois (uma reflexão sobre o uso dos drones…)

Viajar de avião é para mim sempre objeto de alguma ansiedade, seja pela descolagem, pela possível turbulência ou pelo inquieto processo de aterragem. Talvez seja a minha natureza a dizer-me que o homem não nasceu para voar, não sei. O que sei é que me deixa desconfortavelmente alerta. E se, durante esse processo de aterragem, eu olhasse pela janela e visse um drone, vertiginosamente perto de um dos motores do avião? Seria apenas o desconforto a invadir-me? Seria o pânico, a revolta? E se…

“E se…e se…” é o que penso sempre quando diariamente me confronto com a notícia: “Novo incidente com drone. Avião cruza-se com drone a 500 metros de altitude.” Felizmente, ainda não é uma notícia que abre os telejornais, ainda. Porque não passou disso mesmo, de um incidente e não de um acidente. Mas, como próprio português indica há uma ténue linha entre incidente e acidente.

Dizem os órgãos de comunicação social que são já onze ocorrências no nosso país, sendo que este mês já lá vão sete. A notícia, essa, é sempre a mesma, e segue mais ou menos estes pontos:

  1. Drone cruza-se com avião em trajetória descendente; 2. Piloto faz manobra de recurso; 3. Piloto queixa-se. 4. Companhia aérea reclama. 5. Autoridades e Governo dizem que vão investigar e que é preciso fazer algo. 6. Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) diz que houve uma violação do regulamento que proíbe drones de atingirem altitudes superiores a 120 metros (e finalmente avança com queixa-crime). 7. Associações e utilizadores de drones defendem fiscalização, sensibilização e registo de proprietários.

Nas redes sociais surge a indignação ou as teorias de que estas notícias são “plantadas” e que servem os interesses de alguns, quiçá aqueles que defendem a construção de um novo aeroporto em Lisboa.

“A melhor parte” é que conseguimos a proeza de comentar este fenómeno, como se estivéssemos a discutir um penálti ou um fora-de-jogo, em formato de debate futebolístico de segunda-feira:

– “Oh, o piloto vai lá conseguir ver um drone tão pequeno! Não vê um pássaro vai conseguir desviar-se dum drone!”

-”Claro que consegue, achas que iam brincar com isso. Já várias companhias se queixaram. Os pilotos falaram em ON. Aliás, eles queixam-se das aves em bando e tudo!”

– “Isto é mas é um perseguição à malta dos drones. Iam lá agora colocar pessoas em perigo de vida? Aliás, o software que eles usam impede o uso em algumas zonas. Os jornalistas é que não estão a fazer o trabalho deles. Estas notícias devem beneficiar alguém, só pode”.

– “Claro que iam. No Porto, não são drones, mas usam apontadores com laser. A Ryan Air já se queixou. É mais provinciano. Cambada de energúmenos”.

Conclusões? Factos? Investigação? Como dizia o outro “ninguém explica”.

Fico tremendamente contente por, ao décimo primeiro incidente, alguém se começar a questionar. Se investigássemos ao primeiro seria esquisito, seria alarmismo, ou até uma manobra política qualquer. Mas, fico ainda mais feliz, por me aperceber que a regulamentação é recente…só que já está desatualizada ou não está adaptada à realidade (o que na prática vale o mesmo).

Quanto às coimas, estas variam (segundo a SIC) entre 250 e 250 mil euros. Apenas, ninguém foi multado.

Confesso que deve ter o seu quê de hilariante aplicar uma coima de 250 mil euros, sem se saber efetivamente quem cometeu o delito e quem é o proprietário. Aparentemente, não há obrigatoriedade de registo, logo qualquer pessoa pode ter um. A “sorte” é que os terroristas “nunca na vida” vão comprar um drone. Hummm..e se for um adolescente a controlar a aeronave? Uma criança? Consigo também imaginar o diálogo:

“Oh filho, hoje quase mataste 200 pessoas, mas pronto, vai lá dormir. Amanhã não brincas com drone”.

 

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Nariz de Boeing 737 da LAM após colisão com um drone, em Tete. (Fonte: mirror.co.uk)

Mas, há mais. Há algo que me incomoda ainda mais, que é a utilização próprio drone. Excetuando o seu uso em atividades de âmbito profissional (como filmagens com fins publicitários, ou de entretenimento, ou até de justificada vigilância por parte das autoridades), alguém consegue nomear algum tipo de atividade não-profissional do uso de um drone que possa ter uma finalidade minimamente positiva? É que eu não. E se me respondem, com simples atividade de recreação, eu acrescento que existem muitas formas de se entreterem que interferem menos com a vida dos outros. Assim de repente, apetece-me dizer para irem brincar com os berlindes (pronto, pronto, ou com os óculos de realidade virtual).

Como as notícias comprovam, um drone não é um brinquedo e a quantidade de crimes que se podem cometer no uso de um é grande e é vasta.

Eu compreendo que a tentação seja grande, mas é precisamente por esta ser muito grande que deviam existir restrições, pesadas restrições, fiscalização, registos.

Até esse dia chegar e sempre que for possível, vou continuar a preferir ter os pés no chão enquanto viajo. E, claro, manter a janela fechada e ter cortinas em casa (à boa moda portuguesa).

 

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Foto 1: The Aviation Herald

 

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