O professor que virou podcaster

Ia começar por dizer que chegou a casa, mas não chegou a casa. Ele já estava em casa. Faltavam dez minutos para começar a aula, ligou a máquina de café, olhou pela janela e respirou fundo…São mais 3 horas. Preparou o copo de água, foi ao computador, ligou o Teams ou Zoom (nesta altura já tanto faz…achou ele) e escreveu “Boa tarde…a aula segue dentro de momentos”. (Ainda tenho uns minutos. Tirou o café, saboreou o travo amargo do café sem açúcar, sentiu aquele “kick” de ânimo a subir)

Lights ON. Ligou as luzes, o micro (a vaidade faz algumas pessoas investir um bocadinho na tecnologia e num bom set). Só falta mesmo a estante com os livros atrás. Pegou na câmara HD, porque a do portátil é do século passado e disse “boa tarde”. Sorrindo para a luzinha azul a piscar.

Aguardou, os alunos foram entrando na pseudo sala. E ele diz “vá lá, agora liguem as câmaras”. Silêncio. Como sabem numa sessão online é de bom tom ter o micro no off, para não haver ruídos, feedback…entre outros episódios. “está alguém desse lado?”. “Sim” – ouve-se, diz uma alma do outro lado do ciberespaço.

A sensação de vazio apodera-se (será que vou ter suplicar novamente, de novo…). “Então, não ligam as câmaras porquê”? – “o meu computador é de secretária e não tem webcam”. – “E o smartphone não tem a app”?) Segue-se o ensurdecedor silêncio.

Depois, um manifestar passivo de insatisfação que não adianta nada. No seu interior, surge como um invasor a ideia muito clara que do outro lado está alguém a pensar “podes protestar à vontade, mas não me podes obrigar. Vou continuar a jogar PS4”. Resignação. 20 pessoas na sala, estava a ver duas. “Podia ser pior, pensou…”

Passado um pouco, “João está aí? João? (silêncio)… Passado um instante, “professor, desculpe…estava na cama e adormeci”.  (Na sua mente, uma facada, eram estacas, um punhal pelas costas….).

A partir daí vagueou como um zombie pela matéria do dia, como podcaster sem audiência e a pensar como se poderia transformar num Nuno Markl ou Pedro Ribeiro das emissões radiofónicas na qual se tinham transformado as suas aulas.

“Quinta-feira vai ser diferente pensou”.

O dia chegou, finalmente entrava pelos corredores vazios da instituição em que lecionava, era a primeira aula presencial em 6 meses. Na sala entraram duas pessoas, as mesmas pessoas que tinha visto na câmara. Ligou a plataforma (sim, havia a permissão para ficarem em casa). Lá estavam, os outros. “Mas, vão assistir digitalmente? – perguntou”. – “Sim, ó professor, dá muito trabalho ir até aí, fica longe…” Então e as câmaras?!”

Silêncio.

PS: Os professores são seres humanos.

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