Num momento em que a Europa discute o Brexit – ou a insustentável saída do Reino Unido da União Europeia – e as suas implicações sociais e económicas, manifestamos o nosso desagrado, a nossa incompreensão com a impensável decisão, com as limitações colocadas às gerações futuras, com o virar as costas aos povos irmãos, com aquele que será o princípio do fim de uma Europa que não é, mas que viria a ser.
Gritamos silenciosamente “foram ideais xenófobos, promessas vãs e mentirosas que estiveram na base da decisão de voto de milhões de pessoas” de uma nação que no nosso ideal colocamos entre as mais desenvolvidas do planeta. Questionamos “como é possível?”, mas será que o feed de notícias e posts é verdadeiramente ilustrativo do que se passa um pouco por toda a Europa e no mundo? Não. Repito, não.
Há um mundo para lá da internet e, infelizmente, também há um mundo em que somos mais Charlie e Paris e menos Orlando ou Istambul.
A silenciosa voz que urde, que ganha força, que se manifesta e que não vai necessariamente para as redes sociais dizer o que pensa. Ela cresce na mente dos fragilizados, esquecidos, revoltados, injustiçados, ela alimenta-se da frustração, da degradação da vida, da perda de valor, da perda de influência, da insatisfação dos sonhos que não se concretizaram e, claro, também do fanatismo, seja ele religioso ou de outra espécie.
Essa voz quer culpados. Para alguns a culpa será da Europa, para outros será o Schauble, a Merkl e o FMI, para outros a corrupção instalada nas estruturas político-financeiras, e para mais alguns a culpa é de certeza dos imigrantes, do produto estrangeiro a preço mais baixo, da internet e das novas gerações.
Na incapacidade de compreender o admirável mundo novo, as esquecidas e maltratadas gerações que não se adaptaram, que se viram ultrapassadas, que mergulharam no desemprego ou na crescente desvalorização profissional, gritam nestes referendos “antes nós que os outros”.
O Brexit, como ato simbólico de uma forma de ver o mundo, já estava aí. David Cameron “esqueceu-se” que a democracia também pode dar voz à xenofobia, ao extremismo e ao racismo. Uma irresponsabilidade dele e dos que com ele decidiram, mas também de sociedade que se recusa a ver o que está para vir e de uma Europa, onde aquilo que se mais se discute é o Euro, o Tratado Orçamental, o défice, os juros e o cumprir das metas financeiras. (Admito, claro, que outras coisas importantes se discutam, mas isso não chega até nós cidadãos).
Incomoda-me o Brexit, não apenas por ser europeu, nem tão pouco como ser português. Incomoda-me o Brexit porque antes disso tudo sou humano.
E por ser humano: sou português, sou americano, sou europeu, sou asiático, sou africano, sou do mundo. Enquanto insistirmos em esquecer isto, a voz de que falei continuará a ganhar ímpeto e apoiantes, mundo ficará mais dividido, as teorias macroeconómicas vão continuar a esquecer a “microeconomia do indivíduo” e as estruturas políticas continuarão a governar números, em vez de pessoas.
Espero que ao lerem este texto vocês (em caso de esquecimento) também se lembram que o são.
P.S. -Hoje serei apenas um bocadinho menos polaco, porque as raízes também são importantes.
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