Admito não consigo dizer “a” Covid. O meu ser não encaixa, não deixa. Porquê? Eu sei que forma correta é “a”, mas digo “o”. Descobri que é propositado – pode ser o meu lado nortenho a falar mais alto -, mas dizer “a” Covid, como doença que é, é demasiado higiénico, limpo até. É demasiado cirúrgico para algo que nos revolta, que nos consome o tempo, a alma, a economia, a proximidade, o toque e os abraços daqueles que nos são próximos.
Para mim, ao contrário do arrepiante e repugnante “chegaste(s)” com esse “s” a mais, ou de um “troca-mos”, em vez de um trocamos, é perdoável, é desculpável, mais do que isso é compreensível dizer “o” Covid. Até podia referia confusão do “novo” Corona (que para mim é coroa e marca de cerveja, logo seria “a”), mas não, nada disso.
Já chega de meandros e subterfúgios, dizer “o” Covid é uma manifestação protesto, é uma libertação, é uma revolta, uma insurreição – vem do âmago, é como soltar um f…., com alma e vontade. Dizer “o” Covid tem um certo desdém, desprezo, uma bruta emoção que nos apela ao instinto de sobrevivência e dizer-lhe “que podes vir, que eu vou lutar com todas as minhas forças”.
Dizer “o “ Covid é dizer logo ,antes de qualquer outra coisa, “oh pá, pira-te, vai-te embora, não te quero aqui”.
“O” Covid é um adamastor, um monstro ancestral, tem uma personalidade, mais do que um arquétipo tem algo de humano e, como algo de humano, é destrutível, falível e “tem de se avir comigo”, tem falhas, logo vou tratá-lo como ele merece.
Para mim, a comunicação é muito isto também, encontrar formas de dizermos o que nos vai na alma, mesmo que às vezes tenhamos incorrer num português menos delicado, menos perfumado, mas que tem essa extrema capacidade de atribuir sentido, emoção e expressividade com uma simples troca de um artigo.